Christian Fittipaldi lembra grid “sem tempo de reação” em Ímola 1994: “Só vivemos aquilo”

Christian Fittipaldi era piloto da Footwork na temporada de 1994 da F1. Ao GRANDE PRÊMIO, o brasileiro recorda aquele que chama de "pior fim de semana da história" da categoria e como o grid ficou anestesiado diante dos acontecimentos, do acidente forte de Rubens Barrichello às mortes de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna

Christian Fittipaldi tinha apenas 23 anos na temporada de 1994 da Fórmula 1. O brasileiro fazia o terceiro campeonato completo na categoria, que posteriormente viria a ser o último antes da mudança para a Indy. Christian, portanto, viveu de muito perto o fim de semana trágico de Ímola 1994.

Em entrevista ao GRANDE PRÊMIO, Fittipaldi recorda o que passou naqueles três dias de atividade do GP de San Marino, do acidente fortíssimo de Rubens Barrichello às mortes de Roland Ratzenberger, no sábado, e de Ayrton Senna, então grande estrela da companhia, no início da corrida de domingo.

Em seu depoimento, Christian passa por cada detalhe do que se lembra daquela etapa em Ímola, o pouco que viu de Senna naquele fim de semana, o que sentiu naquilo tudo, o que lembra da reação do grid e até a temporada como um todo e o GP do Brasil, corrida que abriu o campeonato daquele ano, ou seja, duas antes da morte de Senna.

“Era um fim de semana normal, como qualquer outro de corrida. Chegamos na quinta-feira, fizemos todos os procedimentos normais. Aí veio a sexta-feira e o primeiro grande choque do fim de semana: o acidente do Rubens [Barrichello]. Ainda bem que não aconteceu nada com ele, mas foi bem violento. Não era algo que a gente estava acostumado a ver. O segundo choque foi extremamente grande: a morte do Roland [Ratzenberger] no sábado, mas com o fim de semana seguindo normalmente. Depois da morte do Roland, ficou um clima nebuloso, aquele clima estranho para caramba, mas o show precisava seguir”, lembrou.

Christian Fittipaldi lembrou o trágico fim de semana de 1994 (Foto: Reprodução/Facebook)

“Todo mundo foi para pista no domingo de manhã, entramos no carro, fizemos o warm-up normalmente e fomos para a largada. Logo depois da largada teve aquele incidente com o [Pedro] Lamy e o [JJ] Lehto, em que os dois tiveram muita sorte, poderia ter sido dez vezes pior. Logo depois disso veio o acidente do Ayrton [Senna]. Vamos parar para pensar: quantos incidentes a gente não teve? Quanta bruxa solta não teve no fim de semana inteiro? Rubinho na sexta, Roland no sábado, um incidente violentíssimo na largada que por sorte não deu em nada. Imagina se o Lamy acertasse o carro do Lehto bem no meio? Poderia também ter sido trágico para ele. Aí o acidente do Ayrton, que dispensa comentários”, completou.

Mas, antes de mergulhar com Christian naquele fim de semana, voltemos um pouquinho no tempo: o GP do Brasil, disputado em 27 de março de 1994, palco da abertura da temporada. O clima era de empolgação total, casa cheia e a esperança local de ver Senna tetracampeão era muito viva. Não de graça, afinal, o brasileiro estava de chegada na Williams, a equipe que vinha dominando a categoria com soluções aerodinâmicas espetaculares no projeto de Adrian Newey. Parecia a combinação perfeita.

“O cara era o cara do momento. Um herói, um ídolo de todo mundo e passando pelo ápice da carreira dele”, resumiu Fittipaldi ao falar da recepção do público a Ayrton em Interlagos.

Só que as coisas não saíram como esperado. Em São Paulo, assim como seria no GP do Pacífico e no trágico GP de San Marino, Senna cravou a pole, mas alguma coisa aconteceu na corrida. Em Interlagos, em uma corrida absolutamente caótica, uma rodada do brasileiro em perseguição a Michael Schumacher causou o abandono. E gerou uma cena nas arquibancadas que Christian nunca mais esqueceu.

Senna era o “cara do momento” em Interlagos em 1994 (Foto: Daniele Amaduzzi)

“Acho que a coisa mais marcante daquela corrida foi a hora que ele rodou saindo da Junção. Tinha um helicóptero fazendo a filmagem e deu para ver que metade do público foi embora naquela hora. Evaporou. Nem esperaram o fim da corrida, foi uma imagem forte aquilo lá. Assim que o carro dele parou, o público que estava assistindo nem quis saber de mais nada e foi embora. Eles foram ao GP do Brasil para ver o Ayrton e não o evento em si”, afirmou.

Ao falar da temporada de 1994, Christian novamente passa pela lembrança de Ímola, de três dias de tensão e tristeza. Depois, recorda como as diretivas técnicas pós-San Marino basicamente acabaram com todas as chances que a Footwoork teria em 1994.

“A lembrança da temporada que ninguém nunca vai esquecer é a do fim de semana de 1º de maio. Não só o domingo, mas aquele fim de semana de maneira geral: começando com Rubens, seguindo com o Roland, o acidente da largada e o Ayrton. Olhando para minha temporada, até a quarta corrida eu tinha um carro, mas, a partir de Barcelona, quando fizeram todo mundo cortar difusor, tirar asa e outras alterações, nosso carro foi, de competitivo ou muito bom, para médio ou um desastre. E fomos assim o resto do campeonato todo, mesmo com o quarto lugar na Alemanha, que veio por circunstâncias daquela corrida, acidente no começo e tal. A gente não tinha dinheiro para desenvolver o carro como as outras equipes. Se Ímola não tivesse existido, aquele carro iria ao pódio algumas vezes no ano”, cravou.

Olhando de novo para aquele fim de semana de 1º de maio de 1994, Fittipaldi lembra do ambiente em Ímola. O então jovem de 23 anos recorda que teve pouco contato com Senna durante a etapa, assim, não tem como dizer exatamente o que passava pela cabeça do tricampeão do mundo depois dos acidentes de Barrichello, na sexta-feira, e do fatal de Ratzenberger, no sábado.

Christian Fittipaldi sofreu com a queda da Footwork em 1994 (Foto: Reprodução/Twitter)

“Sinceramente, não fiquei sabendo de absolutamente nada [sobre Senna não querer correr] e, coincidentemente, naquele fim de semana, a gente nem se viu. Não me lembro, mas talvez a gente só tenha se trombado rapidamente quando fomos, depois da classificação, para o ambulatório da pista para ter certeza que estava tudo bem com o Rubinho [Barrichello]”, disse.

“Não lembro de ter ouvido nada sobre isso e, por incrível que pareça, não falei com o Ayrton naquele fim de semana, apesar da gente dividir grid e tudo mais, mas ele estava com as atividades dele e eu com as minhas, às vezes acontecia da gente ficar o fim de semana todo sem se falar. É a coisa mais normal do mundo ficar sem se falar em um fim de semana de corrida”, explicou.

Christian falou também de como foi absorvendo os acontecimentos do GP de San Marino. O brasileiro revelou que, como a direção de prova fez a corrida seguir depois do acidente de Senna, tinha na cabeça que o compatriota poderia ter, no máximo, quebrado algum membro. Fittipaldi não fazia ideia que Senna poderia ter morrido.

“Já na sexta-feira não foi legal. O fato do Barrichello ter saído ‘bem’ do carro deixou todo mundo bem mais tranquilo, mas já não foi um negócio legal de ver. Aí, o que aconteceu com o Roland [Ratzenberger] no sábado foi bem pesado para todo mundo. No caso do Ayrton, a gente não teve a mesma percepção do Roland porque tudo aconteceu durante a corrida. A corrida foi paralisada, voltamos ao carro e relargamos. Na minha cabeça, quando a gente largou de novo, tinha certeza que ele tinha quebrado um braço ou uma perna, eu meio que estava contando ali quantas corridas ele ia perder. 30 dias? 45? No máximo 60 dias ele estaria de novo aqui conosco”, contou.

Acidente de Rubens Barrichello durante a sexta-feira assustou muito (Foto: Reprodução/The Race)

“Acho que por isso a gente não teve o mesmo impacto durante a situação do que tivemos com o Roland. No caso do Roland, na hora da batida, já falaram que “a situação não parece boa”. Então, meio que todo mundo sabia. A situação do Ayrton, no domingo, ficou bem mais obscura. Estava aquela energia estranha no ar no grid, mas ninguém sabia ao certo, tanto que, antes de eu entrar de novo no carro, ouvi de pessoas que ele não estava muito bem, mas também que ele estava bem, tinha quebrado um braço ou uma perna e logo mais voltaria”, seguiu.

Ao ser perguntado como o grid fez para lidar com os acontecimentos do fim de semana, Fittipaldi foi enfático: “acho que não fizemos”. O brasileiro contou que os baques foram tão grandes e tão rápidos que deixaram os pilotos sem reação. Era como se todo mundo tivesse ficado anestesiado ali.

“Acho que não fizemos. A situação que foi acontecendo. Vou dar um exemplo: o acidente do Barrichello acabou tendo uma conotação muito maior — não que tenha sido uma batida fraca, pelo amor de Deus, inclusive ele teve muita sorte porque se o carro estivesse um pouco mais alto ele provavelmente nem estaria mais aqui com a gente, foi muito forte —, só que isso acabou tendo um impacto no fim de semana muito maior por causa das tragédias de sábado e domingo. Se nada acontecesse, o acidente dele seria chamado de forte, mas, num fim de semana normal de corrida, seria: um dos pilotos teve uma batida na sexta-feira, mas está bem”.

“Só que, com tudo que aconteceu depois, passou a ser o pior fim de semana da história da F1, principalmente se a gente juntar os três dias. O que aconteceu é que a gente foi simplesmente vivendo a situação. Não acho que teve uma união dos pilotos, mas também nem vejo muito o que a gente pudesse fazer. O espaço de tempo era muito curto. Todo mundo ficou muito preocupado com o Barrichello, mas ele estar “bem” deu uma amenizada”.

Roland Ratzenberger foi a primeira morte do GP de San Marino de 1994 (Foto: Reprodução)

“Aí aconteceu o que aconteceu no sábado, foi muito difícil para todos nós. No domingo, a gente teve uma percepção diferente por tudo ter acontecido no meio da corrida. Foi diferente. Duas tragédias gigantescas e acho que a gente nem teve tempo suficiente de reação para pensar o que poderíamos fazer. Fomos simplesmente vivendo o fim de semana”, encerrou.

As mortes de Ratzenberger e Senna levaram a F1 a tomar uma série de medidas de segurança nos carros e nos circuitos, além de pensar em proteções muito mais eficazes para os pilotos nos impactos sofridos. Aquele fim de semana de Ímola foi, por 20 anos, o último fatal da categoria, série que se encerrou em 2014, quando Jules Bianchi perdeu a vida após acertar um trator no GP do Japão.

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